sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A morte de Pasquale, contada pelo neto...

 
A morte de Pasquale !
Era o dia 30 de março de 1943 ...

Eu me vestira , andado a distância necessária para, da atual rua Pedra da Sereia, chegar ao ponto do bonde em frente ao armazém do espanhol , amigo de família, Apolinário Escariz e seguir para o Colégio Antonio Vieira .
O velho Pasquale ficara em casa . Isso, ele costumava fazer comumente. Colocava um par de tênis, e ia nadar um pouco na prainha em frente à sua residência . Os tênis , eram necessários porque o piso da prainha era pedregoso e cheio de limo , mas era segura , quase uma piscina. Falo dos da época , que nós dávamos uma lavada e depois, com uma velha escova de dentes, passávamos uma mistura de água e alvaiade e pronto , e não dos altamente sofisticados de hoje . Cara nova para os tênis de pobres , baratinhos , baratinhos...
Depois do banho revigorante , pelo qual era apaixonado, sempre ao nascer do dia , consumia os dias à sua maneira . Ou ficava em casa desenhando no seu ateliê ou , se estivesse inspirado , se preparava, pegava um bonde e ia para o seu outro ateliê de trabalho onde fazia as peças mais pesadas, para esculpir em argila, que é o primeiro passo até que ela seja fundida em bronze. Quero dizer, no ateliê da antiga Rua do Tijolo , já na Baixa dos Sapateiros , onde trabalhava as de maior porte . Ele sempre se movimentava em função do sol e do comportamento dos dias. Procurava aproveitar os horários mais frescos , fugindo do sol e do calor.
Pois bem, naquele dia , 30 de março de 1943, eu saí para o colégio , assisti as minhas aulas e voltei , claro que de bonde, para casa como de costume. Do portão mesmo, dei o berro de sempre anunciando a minha chegada . Nada de resposta ! Entrei para encontrar o meu pai Alberto , e minha mãe Emilia, desesperados com o falecimento do velho que jazia sobre a sua própria cama... assim, de repente, pois ele acordara bem, havia tomado o seu banho de mar, feito a sua refeição matinal e fora colher algumas flores e olhos de pés de abóbora que cresciam num barranco perto de casa , na descida para a praia. Uma dor súbita no peito , fez com que ele interrompesse a colheita, fosse para o quarto e se deitasse para nunca mais levantar... Aconteceu no entorno das 10 horas da manhã !
O desaparecimento de Pasquale, de forma inesperada , provocou uma enorme comoção no meio artístico e social da cidade. Me mandaram buscar o Frei Ângelo, um capuchinho do Convento da Piedade , do qual era muito amigo , e ele não acreditou no que lhe disse. Ele insistia que quem morrera tinha sido o meu pai , vítima recente de um derrame cerebral e só acreditou quando viu o seu amigo Pasquale , estendido na cama ...
No atestado de óbito , foi dada como a causa da sua morte o que chamavam de “ colapso cardíaco” . Na época, para esses tipos de dores havia um remédio chamado Coristina , que nada mais era que uma droga qualquer e que se administrava colocando algumas gotas em um copo com agua e açúcar...!!!!!!
Hoje, é claro que nós sabemos que foi um enfarto. A medicina não era como a de hoje que você pode fazer a prevenção de certas doenças e o curioso foi que , na véspera do fato, ele havia se consultado com o seu médico particular, Dr. Hélio Simões , que terminou a visita de avaliação , dando um tapinha do ombro do velho , àquela altura com 70 anos e dizendo: professor, você vai viver 100 anos. Que boca ! Pasquale faleceu no dia seguinte, menos de 24 horas depois de o Dr Hélio Simões, Digno Professor da Escola de Medicina da Bahia, lhe haver garantido mais 30 anos de vida...!
Passados os primeiros dias e momento , os intelectuais e artistas resolveram que era preciso prestar uma homenagem à Pasquale, pelo menos com a colocação de um seu busto em local apropriado. Mas era necessária a grana , porque “ entre o dizer e o fazer, há no meio um oceâno “... Então, fizeram a proposta à família. Uma exposição , que aconteceu no prédio da antiga Biblioteca Pública da Bahia, um lindo prédio que foi derrubado e deu espaço para a Prefeitura de hoje na praça Tomé de Souza , aquele monstrengo que não combina de espécie alguma com o ambiente . A família disponibilizou , envaidecida, todos os quadros que tinha em seu poder para a exposição e venda. O produto da arrecadação deveria garantir a homenagem, curiosamente, com o custo coberto pelo próprio homenageado . Mas o fato foi que não aconteceu nada. O dinheiro arrecadado simplesmente volatizou-se, não apareceu um responsável até hoje, e claro, isso passou a ser apenas uma história a mais a ser contada...
A Família acabou ficando com as peças remanescentes , que, logicamente, foram as que menor interesse despertaram no público comprador , mas, mesmo assim, são todas elas obras primas porque Pasquale De Chirico, além de Professor da Escola de Belas Artes, era exímio desenhista que dominava e brincava com as luzes e as sombras, e escultor que trabalhava com o coração. Ainda me lembro do jeito como que ele olhava , como estudava os traços, como movimentava a cabeça para ter uma visão diferente, enfim para verificar se causavam os efeitos que queria dar... Se aproximava, também se afastava das peças , estudando detalhe por detalhe .
Assim, a arte , na Bahia, teve dois períodos : O de Pasquale De Chirico , que levou consigo a arte clássica , e a que veio depois dele.
Bartolo Sarnelli
04 de outubro de 2.011.








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